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Castidade

A Castidade é, para mim, algo tão complexo de compreender como a decisão de nos abstermos de toda e qualquer necessidade fisiológica, isto é, não sendo impossível de realizar, contrariamente a outras, parece-me no entanto um autêntico absurdo.

Para melhor compreender o significado da palavra Castidade, consultei um dicionário on-line de Língua Portuguesa(*) que nos diz tratar-se de uma “virtude reguladora da natural inclinação para os prazeres sexuais (com relação à moral)”.

Começamos mal. Porque teremos nós de regular a nossa natural inclinação para os prazeres sexuais? Porque temos nós de agir contra a nossa própria natureza?

Estamos, por acaso, a contrariar impulsos tão graves como a agressividade ou a vontade de matar alguém? Não creio.

E não consigo, por mais que tente, ver qualquer virtude na Castidade, acima de tudo porque ela não faz parte da condição humana.

Nem tão pouco me é possível compreender o que é que os prazeres sexuais têm de imoral. O facto de se chamarem prazeres remete, imediatamente, para algo de positivo, pelo menos do ponto de vista individual.

Assim sendo, os prazeres fazem, por um lado, parte do que somos e, por outro, não consigo compreender porque é que os comportamentos sexuais de uns são imorais aos olhos de outros, excepto os que são de origem criminosa, claro está.

Se alguém não segue o caminho da Castidade isso não é problema nosso, logo não tem como ser imoral aos olhos de quem quer que seja.

E quem regula a moral? Quem impôs essa dita moral? Foi um Deus ou foram os homens? E essa moral é baseada em quê?

Que Deus nos daria a capacidade – contrariamente à generalidade dos outros animais – de termos relações sexuais por puro prazer para depois nos torturar a vida inteira pela Castidade, pela culpa e pela moral?

E o que é a moral? Será a moral apenas o que fazemos às escondidas para podermos criticar nos outros em público?

E a Castidade o que é? É a ausência de relações sexuais ou é a assunção hipócrita de algo que não se cumpre, mas que se exulta?

E porque não conseguem tantos milhares de homens ligados a essas igrejas e a esses deuses cumprir a palavra dos Senhores em que acreditam?

O mesmo dicionário refere-se ainda à Castidade como pureza. Significa então que passamos a ser impuros a partir do momento em que deixamos de ser castos?

E o que é a impureza?

Torna-mo-nos todos sujos quando cumprimos aqueles que são, alegadamente, os desígnios de Deus e da Natureza que Ele em nós depositou?

Passamos a ser maus pelo simples prazer da carne?

Por último, o dicionário diz-nos que a castidade é – para a religião católica – “abstinência total de pensamentos, palavras e obras sensuais”.

E aqui as minhas dificuldades de compreensão adensam-se ainda mais.

Como se controlam os pensamentos? Já existem seres humanos com essa capacidade?

Se alguém, por mais que não queira, tiver pensamentos em relação à sexualidade, passa a ser impuro?

E se o corpo sentir desejo? Perde-se a pureza? Passa-se a ser uma pessoa sem moral?

Quantas questões sobre a Castidade às quais não sei responder, precisamente pelo facto de tudo me parecer demasiado absurdo.

Consigo compreender a Castidade quando existe um trauma provocado, por exemplo, por uma violação ou pela perda de alguém que se amava muito.

Consigo compreendê-la, ainda, em relação aos indivíduos que são assexuais, já que não faz sentido manterem relações sexuais para prazer exclusivo de terceiros.

Mas jamais compreenderei que alguém apregoe a Castidade como sinal de pureza ou de uma moral superior. Jamais aceitarei que qualquer Deus, homem ou religião queira impor tais pensamentos na cabeça de alguém.

Para que serve, no fundo, a Castidade?

Seguramente que servirá para nos tornarmos mais infelizes, mais doentes e mais frustrados e o resultado disso será, provavelmente, um crescente abuso de homens, mulheres e crianças por todo o planeta.

(*) Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/castidade [consultado em 20-07-2020].

Autor

Raul Tomé é licenciado em Sociologia, Mestre em Ciências do Trabalho e Relações Laborais e Pós-Graduado em Políticas de Igualdade e Inclusão. Ex-cronista do Jornal Negócios, autor e co-autor de artigos científicos, colabora actualmente com a revista Repórter Sombra. Tem ainda formação em diversas áreas, entre as quais a Formação de Formadores, Gestão de Tempo, Gestão de Conflitos, Liderança de Equipas e Coaching. Lançou em 2019 o seu primeiro livro a solo intitulado "Deficiência, Nanismo e Mercado de Trabalho - Dinâmicas de Inclusão e Exclusão". É criador da página Ipsis Verbis, através da qual realiza resenhas de obras literárias e a divulga citações de relevo, quer de autores nacionais quer internacionais, independentemente da sua dimensão no mundo literário. É o fundador da página "Balthasar Sete-Sóis", onde partilha os seus escritos e também criador da rubrica "Passa-Palavra", inserida no programa "Amantes da Poesia" da Rádio PopularFm, onde colabora desde 2018. Colaborou também em diversas colectâneas e antologias realizadas por diversas editoras nacionais. Actualmente é coordenador literário na In-Finita, sendo responsável pela organização e revisão de uma colecção literária à qual deu o nome de "Ipsis Verbis".

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