INSIDE - As Coisas por Dentro

Perdão

Sempre fui de perdão fácil, relevar, entender e passar por cima. Acabou, arrumado, de pé de novo, feito e venha o desafio seguinte.

Na nossa sociedade promove-se o perdão, a tolerância, a aceitação e até mesmo a resignação. Eu praticava regularmente todas elas.

Hoje tive a desfaçatez de ouvir pela primeira vez alguém, um profissional de saúde mental, que me chamou à razão.

Perdoar porquê? Para que aconteça de novo?

Tolerar para quê? Para que se reproduzam fenómenos racistas e fascistas porque somos todos tolerantes?

Aceitar o quê? O inadmissível e com isso permitir maldades e abandonos?

Resignar sim. Resigne. A pessoa é assim e tem que lhe provar que mudou para a poder aceitar de novo.

A alma ao perdoar, tudo permite e o amor próprio e a auto-estima caem e morrem. O corpo sente a alma. O corpo deprime e vai atrás.

Ter de perdoar dia, atrás de dia, atrás de dia, quem nada faz e não prova ser de confiança, gera depressões. O sentimento de que já não há nada que se possa fazer, de que não se sabe como ser melhor, que todo o perdão e amor nunca vão chegar, dão depressões e vazios absolutos. Dizerem que a culpa não é nossa também não ajuda.

Eu hoje sou melhor do que ontem e amanhã serei melhor. Sou todas as pessoas que gostam e acreditam em mim. Que estão aqui. Fazem por mim. Agem por mim. Não sou palavras apesar de depender delas para me pagarem as contas.

Vejo imensos coaches e outros profissionais a vender cursos de motivação, cursos de propósito de vida, coisas que deveriam ser só nossas. E vendem! Vendem coisas nossas. Vendem muito! Porque no caminho queremos ter esperança e há pessoas a vender essa esperança. A esperança de que afinal ainda pode haver mais um dia para perdoar mais e levar mais uma bofetada e pelo caminho passe para cá 200 euros porque lhe dei propósito na vida!

Há coisas para as quais não há desculpas nem perdões, se vai ficar sempre tudo igual e na inanição.

Prefiro ser grata. Prefiro ser grata às pequenas ações que vejo nas pessoas e que me inspiram o dia: “olha, vou aí e vamos sair que andas muito presa em casa”; “vou aí e levo-te uma canja de galinha que os dias são duros e diz que faz bem à alma”. E é isto: só presença e cuidado que é tudo o que é preciso. O resto serão sempre palavras vazias.

Hoje ouvi um dos profissionais mais lúcidos de sempre, que, nos seus 50 anos me disse que ando errada há quase 43 e que se não sair desta liga do “querer ajudar”, “eu sei e por isso partilho”, “tenho um dever moral de perdoar”, “eu sou boa pessoa e por isso aceito tudo”, se continuar tolerante sem haver ações a seguir, se continuar a perdoar sem nada depois que prove que foram dignos de perdão, se continuar a aceitar tudo, vou ser o que sempre fui: saco de pancada. E eu não noto em consciência, mas a alma e o corpo notam. Sendo unos, definham os 2.

Não largo ninguém à sua sorte e no primeiro pedido de ajuda, estou sempre disposta a ajudar. Mas já não faço por ninguém, não puxo ninguém, não sou sponsor por ninguém e nem sequer me falem em dar a cara por ninguém. A ajuda que darei de agora em diante terá necessariamente de ser recíproca.

E é assim: reciprocidade no perdão, no amor, na aceitação, na tolerância e na emoção. Reciprocidade de ações, já que de palavras levarei sempre a melhor!

Até lá, tentarei sarar a alma e o corpo da falta de reciprocidade e de ações, e da falta de amor e dos fingimentos absolutos de uma humanidade perfeita que só por isso pode julgar e condenar todos os dias com base em nada. E o tribunal declara execução imediata da parte nunca ouvida nem achada.

O corpo tem movimentos lentos de mudança. Sempre me levantei quando caí. Acho que desta vez só quero gatinhar. Um dia logo veremos. Se esse dia chegar.

Autor

Viajou por muitos países, conheceu muitas pessoas e muitos lugares. Aprendeu com todas as pessoas que observou e com quem conversou. Trabalhou em Portugal, na Bélgica, nos EUA e em Angola. Hoje desenvolve o seu trabalho na área da gestão de pessoas (recursos humanos), formação, coaching e mentoring. E escrita, adora escrever. Assumiu diferentes funções e colaborou com empresas em diferentes estados de maturação, quer em ambiente nacional, quer internacional. Desempenhou funções relacionadas com: gestão do talento e tarefas inerentes; gestão de recursos humanos em sentido lato e formação e desenvolvimento. A nível académico, estudou direito na Universidade de Coimbra, mas foi em Psicologia e no Porto que encontrou a sua verdadeira vocação. É certificada em Coaching, PNL e estuda todos os dias mais um pouco, vê mais um pouco, ouve mais um pouco para poder ser mais cultivada. Faz programas de shaping leaders e reshaping leaders e gosta muito do que faz. Costuma dizer às crianças que forma enquanto voluntária em educação para os direitos humanos: “quando mais soubermos, quanto mais conhecemos e sentimos, menos somos enganados”. Enfrenta cada dia com uma enorme alegria que é simples de ver e sentir!

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