Branca, católica, sem deficiências e também sem voz
Estou há dias a pensar e refletir sobre este tema.
Acho que herdei privilégios a que nunca irei dar o valor merecido.
No dia 17 de abril, assinalámos os 53 anos desde a Crise Académica de 1969.
Neste dia, em 1969, época em que Portugal vivia sob o comando do Estado Novo, a Universidade de Coimbra inaugurava o edifício do Departamento de Matemática. O evento contava com a presença de altas figuras de Estado.
Alberto Martins, o então presidente da Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra, levantou-se e pediu para falar: “Em nome dos estudantes da Universidade de Coimbra, peço a palavra”. A oportunidade foi-lhe recusada e aí desencadeou-se a crise académica.
Os protestos seguiram com a prisão de vários dirigentes estudantis, greve aos exames, entre outras ações que mostraram o elevado grau de descontentamento dos estudantes face à falta de condições do ensino superior e à forte repressão sob a qual o país vivia.
Este foi um passo importante para que, 5 anos depois, Portugal fizesse a ditadura cair a 25 abril de 1974.
Eu nasci branca, católica, sem deficiências, numa família, com acesso a tudo. Nasci heterossexual. Não fosse o facto de ser mulher, diria que tinha o cocktail global do sucesso.
Pude estudar. Pude viajar. Pude pensar e falar de forma livre, porque outras pessoas morreram e foram presas, se sacrificaram para que eu pudesse ter esse privilégio.
Posso escrever este artigo sem filtros, com factos e com consciência nas minhas palavras.
Hoje tenho muitas vezes de me calar, sendo competente ou cultivada numa área, porque a pseudo ciência e as “cenas” quânticas tomaram conta de tudo. A charlatanice tomou conta da sociedade e mesmo da academia.
É tudo talhado a direito. Perdeu-se o respeito e perdeu-se o direito.
A mim cumpre-me honrar e respeitar o trabalho longo na conquista de direitos fundamentais. Direitos humanos.
E tenho a profunda convicção: se houvesse estudo, compreensão, respeito, não precisava haver direito.
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